por Aline Romani
The Walking Dead - HQ
De proibidos e perigosos a sucesso de vendas, os quadrinhos de terror levantam polêmicas na sociedade desde o início do século XX. Além disso, dividem até os leitores mais apaixonados por quadrinhos. Muitas vezes considerado uma literatura de baixa qualidade e mau gosto, conhecidos pelas cenas de muito sangue e violência, os quadrinhos de terror também são impactantes e fascinantes. Uma história bem desenhada não precisa de uma só palavra para causar arrepios ao leitor. HQs de terror tem uma ligação estreita com o quadrinho alternativo e com bandas heavy metal, seu intuito é causar impacto, desnudar os horrores de uma sociedade hipócrita, fazer sangrar o cidadão de bem. No entanto, essa é só uma vertente dentre muitas outras. As histórias de zumbi, tão aclamadas atualmente, e também consagradas no cinema e crossovers, tem sua origem calcada no preconceito e no medo do outro. Alguns estudiosos dão conta que os mortos vivos representariam na Europa a “invasão” estrangeira. As hordas destruidoras são uma metáfora para afirmar que em um mundo civilizado os imigrantes destroem tudo que veem pela frente, transformando-o no caos. Ainda existe outro significado, que deu origem a palavra zumbi: na Martinica e no Haiti, ele poderia ser um termo geral para descrever um espírito ou um fantasma, qualquer presença perturbadora que assumiria milhares de formas à noite. White Zombie de 1932, surge bem no fim da ocupação americana no Haiti. Os Estados Unidos assumem uma postura de um país modernizador, no entanto, o terror estava em um personagem que ao voltar para casa carregava essa superstição "primitiva". Enfim, significa transformar o outro em algo temível e ainda, culpabilizá-lo pelas nossas tragédias. É interessante como a figura de um líder ganha importância nessas histórias, mesmo que seu comportamento seja questionável, ético e moralmente, sem ele o grupo se perde e não consegue colaborar ou se comprometer com o coletivo. É preciso alguém, de pulso firme, para manter a ordem e lembrar a todo tempo que ainda podemos ser civilizados. Por outro lado, os vilões dessas histórias, para além dos zumbis, são líderes e defensores de comunidades ditas primitivas, que colocaram seu instinto de sobrevivência a frente de sua pretensa humanidade. É comum aparecerem discussões filosóficas e religiosas sobre o suicídio, canibalismo, incesto e promiscuidade. Todo esse imaginário nos leva a refletir sobre o outro, àquele que não se parece comigo. Hierarquizamos culturas como modos de vida superiores e inferiores. Não é por acaso, que, atualmente, em pleno surto do Covid-19, ainda há quem afirme que o vírus é fruto de um hábito alimentar estranho dos chineses, uma praga divina, ou uma conspiração de grandes empresas internacionais. Até mesmo, promovem debates televisivos calorosos para decidir o que seria mais ético na ausência de estrutura para atender a todos: salvar primeiro presidiários ou os cidadãos de bem? O fascínio por HQs de terror causado por uma pandemia pode estar relacionado a bons diálogos, reflexões e cenas de suspense. No entanto, eles nos provocam sentimentos mais profundos, nos arrancam da rotina e nos permitem perceber a concretude da vida. A destruição é o mais fascinante dos desafios humanos, ela nos obriga a renascer, mas não sem antes nos colocar diante de nossos medos, e principalmente, diante das vontades mais reprimidas. A autorização de ser egoísta e de revelar o pior de si é um sintoma da eminencia do fim. Afinal, o inferno são os outros.
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